Gente que ficou por medo, gente naufragou. Dúvida é só lenda, será? O que amar é? Será que essa maré me levará pra onde? Sonho com suas águas puras, seus sabores, cores, iguarias, temperamento temperar, garimpar, bodas de prata, ouro, terra de leite, lua-de-mel.
(- Mar e Ilha, Henrique Cerqueira)
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Descobri um lugar que
por vezes - e até hoje - me impressiona.
Enquanto caminhava
por uma floresta harmoniosa
e previsível,
surge à minha frente um
caminho mais complexo e diferente.
Mal sabia que já caminhava a
muito por esse trecho quando
encontrei ali um rio calmo.
Hoje entendo que os rios
mais tranquilos são os
mais profundos e imprevisíveis.
Fiquei, e ainda fico,
somente observando essas águas.
O ciúme tentou me controlar
quando, algumas vezes,
alguém ali mergulhava,
se banhava.
Mas ele não venceu minha barragem
criada a tanto tempo,
e hoje nem tenta mais me assaltar.
Nunca fui capaz de fazer
mais do que uma carícia na água,
mais do que somente refrescar
os pés, pois desaprendi a nadar,
me esqueci como mergulhar
e retornar à superfície.
Nos dias de muito sol e
calor, me sinto
tentada a arriscar um mergulho,
sabendo que para não me afogar
basta somente bater os pés e
com as mãos abraças a superfície.
Mas o receio é sempre maior.
Nesses dias as águas parecem
mais fortes, mais brilhantes...
Ameaçando ruir com minha
barragem que dia a dia reforço.
Mas todos estes esforços
para mantê-la de pé
me parecem frágeis demais.
Quando percebo uma
rachadura nova por onde,
inicialmente, foge um fio d'água,
corro - para estancar aquele
defeito da estrutura ou
para casa, que fica seguramente
distante, - ao menos enquanto
a barreira existir.
Auxiliei os peixes dourados e
raros que habitam ali
quando ameaçaram morrer
de fome e solidão.
Alimentei a eles quando todos
que antes se banhavam ali
se abrigaram em suas casas
do frio do inverno,
quando preferiam o calor
das suas casas e chás ao
profundo e frio calor daquelas
águas que existiam para poucos...
Desse modo, os peixes viraram
meus confidentes preciosos e eu,
a única que os compreendia.
Quando o rio ameaçou secar por conta
do sol castigante do verão e
a falta de sombra (já que o inverno fez os
ingratos lhe roubarem as árvores
para lhe renderem lenha no inverno),
tornei a trabalhar,
plantando árvores e flores nas
suas margens.
Me exaltava quando observava
que ali mergulhavam e não
pareciam se importar em
preservar aquelas águas.
Meu medo era que
aquele rio secasse tanto
que em certo ponto eu não
conseguisse mais tocar suas
águas, ouvir suas melodias...
Me assustava a idéia de que
poderia vir a se afogar em si mesmo;
em seus risos contidos;
em suas palavras caladas;
seus segredos inconfessados;
suas lágrimas secas;
seus sonhos impossíveis.
Mesmo sabendo do risco que
corro de um dia
escorregar para as águas
e a barreira finalmente se romper,
continuo a plantar conselhos,
cantar segredos,
sussurrar alegrias,
sorrir tristezas,
lançar poemas e
brincar com problemas...
Fugindo para casa
quando ele - o rio - fica
demasiadamente brilhoso ,
ameaçadoramente refrescante,
contagiosamente profundo,
perigosamente solitário e
impossivelmente amável.
... Ah o tempo em que barragem nenhuma havia e
o medo de me afogar não existia.
Autoria: Preta | Caiu no papel dia: 04/10/2010
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